quarta-feira, 23 de abril de 2025

A Vida: Entre a Causa Perdida e a Oportunidade

 Por: Luis Genaro L. Fígoli (Mestre Moshe 33°)


A Vida: Entre a Causa Perdida e a Oportunidade (Ampliado)

A vida é, paradoxalmente, o mais profundo mistério e o mais cotidiano dos fenômenos. A cada instante, somos confrontados com a sua fragilidade e transitoriedade, mas também com o seu brilho fugaz – aquele que nos convida a explorá-la, a encontrar significados, a criar. Pensar a vida como uma "causa perdida" ou como uma "oportunidade" é enfrentar a própria condição humana: somos seres conscientes da nossa finitude, mas, ao mesmo tempo, desejosos de transcendê-la. Essa tensão é o motor de muitas das reflexões filosóficas mais profundas.

A vida como causa perdida: a sombra da morte

A morte é a única certeza que carregamos desde que nascemos. Para alguns, isso basta para declarar a vida como uma causa perdida. Afinal, para que nos esforçarmos, amarmos ou construirmos, se tudo será apagado pela passagem do tempo? Essa visão, por vezes associada ao niilismo, foi explorada por filósofos como Arthur Schopenhauer, que via a existência como um ciclo de desejos insaciáveis e sofrimentos inevitáveis. Para ele, viver era ser arrastado por uma força cega e irracional – a "vontade de viver" – que nos condenava ao desespero.

No entanto, mesmo Schopenhauer encontrava alguma beleza na contemplação estética. A arte, para ele, era um refúgio da dor da existência, um momento em que podíamos nos libertar temporariamente da tirania da vontade. Assim, mesmo na visão mais pessimista da vida, há espaço para algo que transcenda a pura negatividade.

Por outro lado, filósofos contemporâneos como Martin Heidegger ampliaram essa ideia, argumentando que a morte não é apenas um fim, mas uma presença constante na vida. Em sua obra Ser e Tempo, Heidegger descreve o ser humano como um "ser-para-a-morte". Isso não significa que vivemos obcecados pela morte, mas que ela é o horizonte último que dá sentido às nossas escolhas. A consciência da finitude não nos paralisa, mas nos desperta para a urgência de viver autenticamente.

A vida como oportunidade: a celebração da existência

Se a morte é inevitável, a vida, em contrapartida, é uma oportunidade única. Muitos filósofos e pensadores encontraram na transitoriedade da vida uma razão para celebrá-la. Friedrich Nietzsche, por exemplo, rejeitava o pessimismo de Schopenhauer e colocava a vida como algo que deve ser afirmado em toda a sua complexidade. Sua ideia do "amor fati" – o amor ao destino – nos convida a aceitar tudo o que a vida traz, tanto as alegrias quanto os sofrimentos, como partes intrínsecas de uma existência plena.

Nietzsche propôs o conceito do eterno retorno, uma ideia hipotética segundo a qual cada momento da nossa vida se repetiria infinitamente. Para ele, a verdadeira medida de uma vida bem vivida seria a capacidade de desejar que ela fosse repetida da mesma forma, eternamente. Essa visão nos desafia a viver com intensidade, a aproveitar cada instante como se fosse eterno.

Outro exemplo é Albert Camus, que, ao refletir sobre o absurdo da existência, encontrou um sentido paradoxal na própria falta de sentido. Em O Mito de Sísifo, Camus afirma que, embora a vida não tenha um propósito intrínseco, ela pode ser vivida plenamente ao abraçarmos o absurdo. A imagem de Sísifo, condenado a rolar eternamente uma pedra montanha acima, não é a de um homem derrotado, mas de alguém que encontra alegria no próprio esforço. Para Camus, "a luta para alcançar o cume é suficiente para preencher o coração de um homem".

Os ciclos da vida: equilíbrio entre perda e renovação

A vida é marcada por ciclos: nascimento e morte, crescimento e decadência, começos e fins. Esses ciclos nos lembram que a existência é impermanente, mas também cheia de renascimentos. O filósofo estoico Marco Aurélio refletia sobre essa natureza cíclica da vida em suas Meditações, observando que tudo na natureza segue um fluxo. Para ele, aceitar esse fluxo era a chave para viver com tranquilidade e sabedoria. "Tudo o que acontece é tão natural quanto as flores que desabrocham na primavera e as folhas que caem no outono", escreveu.

Essa percepção também aparece nas tradições orientais, como no budismo. O conceito de impermanência (ou anicca) é central na filosofia budista, que nos ensina a aceitar que tudo na vida é transitório. A dor, a alegria, as perdas e os ganhos – todos passam. No entanto, essa impermanência não deve ser motivo de tristeza, mas de gratidão. Cada momento é único precisamente porque é passageiro.

A alegria como resistência

Como, então, encontrar alegria em meio à transitoriedade e à certeza da morte? A resposta pode estar na forma como vivemos o presente. A alegria, nesse sentido, não é um estado permanente, mas uma atitude, um modo de estar no mundo. Viktor Frankl, psiquiatra e sobrevivente do Holocausto, descreveu em Em Busca de Sentido como, mesmo nas condições mais extremas, o ser humano pode encontrar sentido e beleza. Para Frankl, o sentido da vida não é algo dado, mas algo que criamos, mesmo nas situações mais adversas.

Além disso, a alegria pode ser vista como uma forma de resistência. Em um mundo marcado pela fragilidade e pela incerteza, celebrar a vida é um ato de coragem. É o que nos ensina o poeta Fernando Pessoa, quando diz: "Tudo vale a pena, se a alma não é pequena." A vida, com todos os seus desafios, ainda é um presente incomensurável.

A vida como paradoxo: causa perdida e oportunidade

No fundo, a vida é simultaneamente uma causa perdida e uma oportunidade. É perdida porque sabemos que terá um fim, mas é uma oportunidade porque, enquanto dura, podemos preenchê-la com significado. Essa dualidade é o que torna a existência tão rica e fascinante. Como escreveu o filósofo francês Blaise Pascal: "O homem não é nem anjo nem besta, mas algo entre os dois." Vivemos divididos entre a nossa fragilidade e a nossa capacidade de transcendê-la.

Talvez, portanto, a melhor maneira de viver seja aceitar esse paradoxo. Não precisamos escolher entre a causa perdida e a oportunidade – podemos abraçar ambos. A morte, longe de ser um inimigo, pode ser um lembrete constante de que cada momento conta, de que cada encontro é precioso, de que cada dia é uma chance de recomeçar. Afinal, como disse o poeta Mario Quintana: "A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa."

E que tarefa mais nobre poderíamos desejar?

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quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

ESTAMOS NA CAVERNA DE PLATÃO?

Por:

M.`.I.´. Luis Genaro L. Figoli (Mestre Moshe)

33°


Imagine um grupo de pessoas acorrentadas em uma caverna, desde o nascimento, sem jamais terem visto a luz do sol. Elas estão posicionadas de forma que só conseguem olhar para a parede à sua frente. Atrás delas, há uma fogueira e, entre a fogueira e os prisioneiros, pessoas passam carregando objetos que projetam sombras na parede. Para essas pessoas acorrentadas, as sombras são a única realidade que conhecem. Elas não sabem que há um mundo lá fora, um mundo de cores, formas e luz genuína. Essa é a essência do Mito da Caverna, descrito por Platão em sua obra A República, uma alegoria que atravessa séculos e continua a ressoar em nossa sociedade.

Agora, olhemos para a modernidade. Será que realmente saímos da caverna ou apenas trocamos suas sombras por outras?

Hoje, as sombras não são mais projetadas em uma parede de pedra, mas em telas que carregamos no bolso. Vivemos em um mundo onde a informação nos é constantemente entregue, mas será que estamos enxergando a verdade ou apenas reflexos dela? Redes sociais, algoritmos, notícias manipuladas, filtros de realidade: tudo isso forma as novas sombras que consumimos sem questionar. Assim como os prisioneiros da caverna, aceitamos essas projeções como realidade absoluta.

Na caverna moderna, somos bombardeados por imagens idealizadas de vidas perfeitas, corpos esculturais, opiniões prontas e verdades fabricadas. Cada postagem no Instagram, cada vídeo viral no TikTok ou manchete sensacionalista no Twitter é uma nova sombra projetada que consumimos avidamente. E, como os prisioneiros de Platão, nos acostumamos tanto a essas sombras que esquecemos que existe algo além delas.

Mas o que acontece quando alguém tenta sair dessa caverna? O que acontece quando uma pessoa decide questionar, investigar e buscar a luz? Assim como no mito, a saída é dolorosa. A luz do sol — ou a verdade, nesse caso — cega, ofusca e incomoda. É mais fácil permanecer na caverna, confortável com as sombras que já conhecemos. Quem tenta enxergar além muitas vezes se torna alvo de zombaria ou descrédito — afinal, é mais cômodo acreditar no que sempre acreditamos do que encarar o desafio de reconstruir nossa visão de mundo.

E há outro ponto importante: mesmo que alguém consiga escapar e alcançar a luz, o que acontece quando ela tenta voltar para a caverna? No mito, Platão descreve que os prisioneiros rejeitam o relato de quem viu o mundo lá fora. Preferem as sombras, pois é o que conhecem. No mundo moderno, não é diferente. Quem tenta questionar as narrativas dominantes, desmascarar as ilusões ou propor reflexões profundas muitas vezes é tratado como louco, conspiracionista ou idealista ingênuo.

Estamos, então, presos em uma nova caverna de Platão, mas agora as correntes são invisíveis. Elas são feitas de distrações constantes, superficialidade, polarização e da ilusão de que temos acesso irrestrito à verdade. No entanto, essa verdade é cuidadosamente moldada por interesses econômicos, políticos e sociais. O algoritmo decide o que vemos, e nós acreditamos que escolhemos.

A questão que Platão nos deixou há mais de dois mil anos permanece viva: como podemos nos libertar? A resposta não é simples, mas talvez o primeiro passo seja reconhecer que estamos na caverna. Precisamos aprender a questionar o que consumimos, buscar fontes diversas, sair de nossas bolhas e, acima de tudo, desenvolver o pensamento crítico. É um caminho difícil e solitário, mas essencial para quem deseja enxergar o mundo como ele realmente é.

Portanto, a caverna de Platão não é apenas uma alegoria filosófica distante. Ela é um reflexo do mundo em que vivemos. A pergunta que fica é: você está disposto a sair da caverna ou prefere continuar assistindo às sombras?

Bibliografia:

Platão, A República. 

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sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

“ATRAVÉS DE UMA PALMEIRA, EU VI O SOL POENTE”

 

Crônica

Por: M.´.I.´. Luis Genaro L. Fígoli

33°

O dia já findava quando parei sob a sombra da palmeira. O céu tingia-se de laranja e púrpura, e o sol, em sua descida majestosa, refletia sobre minhas retinas uma beleza que, por mais que tentasse, jamais poderia capturar em palavras. Ali, em meio ao silêncio e ao vento que balançava as folhas, percebi o quanto tudo é transitório — o sol que se põe, o vento que sopra, as folhas que caem. A vida, afinal, é feita de ciclos, e cada momento que vivemos é ao mesmo tempo o início e o fim de algo.

Lembrei-me de Heráclito, o filósofo do devir, que dizia: “Nenhum homem entra no mesmo rio duas vezes, pois o rio não é o mesmo, assim como o homem já não é o mesmo”. Naquele instante, fui tomado por um sentimento agridoce. O sol poente era o mesmo que eu vira no dia anterior, mas não era. Aquele momento era único, irrepetível, e, como tudo na vida, passaria.

A palmeira, imóvel na sua altura serena, parecia ser testemunha de algo maior. Quantos sóis já haviam se posto sob seus galhos? Quantas pessoas haviam passado, olhado para ela e seguido seus caminhos? Talvez nem a palmeira fosse eterna. Talvez, no seu tempo, ela também estivesse cumprindo seu ciclo, vivendo um dia de cada vez, sem pressa, sem angústia, apenas existindo.

É curioso como buscamos controlar o incontrolável. Fazemos planos para o futuro, tememos o que virá, lamentamos o que passou. Mas, como disse o poeta Horácio em seus versos imortais: “Carpe diem, quam minimum credula postero” — colha o dia, confiando o mínimo possível no amanhã. Não se trata de ignorar o futuro, mas de viver o presente com intensidade e consciência, pois ele é tudo o que temos.

O sol, agora quase completamente escondido no horizonte, parecia sussurrar uma verdade universal: tudo começa e tudo acaba. Há beleza na transitoriedade. Se a vida fosse eterna, talvez perdêssemos a capacidade de enxergar a preciosidade de cada instante. É o fim que dá sentido ao começo. É o efêmero que torna cada momento sagrado.

Lembrei-me também de Fernando Pessoa, que, em sua prosa poética, escreveu: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena.” Talvez viver bem seja isso: aceitar os ciclos, acolher o que vem, deixar partir o que se vai, e, principalmente, permitir-se sentir. Porque, no fundo, viver não é sobre acumular coisas ou momentos, mas sobre estar presente.

Enquanto o céu escurecia e a primeira estrela surgia, senti uma paz profunda. A palmeira continuava ali, imóvel, como um guardião do tempo. O sol havia desaparecido, mas eu sabia que ele voltaria. Assim como tudo na vida — o que vai, volta; o que morre, renasce. E, nesse eterno ciclo de começos e fins, cabe a nós apenas viver, um dia de cada vez, com o coração aberto para o que vier.

 

Bibliografia

Heráclito. Fragmentos. Tradução de Gerd Bornheim. Editora Vozes.

Horácio. Odes. Tradução de J. A. de Carvalho. Editora Martins Fontes.

Pessoa, Fernando. Livro do Desassossego. Organização de Richard Zenith. Companhia das Letras.

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