sexta-feira, 25 de abril de 2025

Conexões entre as Leis do Hermetismo, Maçonaria e a Filosofia Moderna - Uma Introdução


Por: Luis Genaro Ladereche Fígoli (Mestre Moshe 33°)

Introdução

O Hermetismo, uma tradição espiritual e filosófica que remonta ao Egito antigo, é baseado nos ensinamentos atribuídos a Hermes Trismegisto[1]. As suas sete leis herméticas, que discutem a natureza da realidade e a interconexão do cosmos, encontram ressonância na filosofia moderna, especialmente em áreas como a física quântica, a psicologia e a filosofia da mente. É um conjunto de textos iniciáticos, datados provavelmente do século I ao século III,que representaram a fonte de inspiração do pensamento hermético e neoplatônico renascentista. Na época, acreditava-se que a obra remontasse à antiguidade egípcia, anterior a Moisés, e que nela estivesse contido também o prenúncio do cristianismo. Na Maçonaria, os seus ensinamentos formam incorporados à Moral Maçônica e fazem parte da “coluna vertebral” do ensinamento iniciático, sendo estudado em vários Graus, inclusive no de Apr.´..

 Este artigo explora essas conexões, destacando como os princípios herméticos podem enriquecer a compreensão contemporânea da realidade. Impressiona a conexão de conceitos formulados a milhares de anos, com os conceitos desenvolvidos pela ciência hoje, como a física quântica, a neurociência, a astrofísica, entre outros.

 As Sete Leis do Hermetismo

As sete leis do Hermetismo são:

  1. Mentalismo: O universo é mental; tudo é mente.
  2. Correspondência: "Como acima, assim abaixo; como abaixo, assim acima."
  3. Vibração: Tudo no universo está em constante movimento e vibração.
  4. Polaridade: Tudo possui dois polos; tudo é dual.
  5. Ritmo: Tudo flui e reflui; há um ritmo em todas as coisas.
  6. Causa e Efeito: Cada causa tem seu efeito; cada efeito tem sua causa.
  7. Gênero: O gênero se manifesta em todas as coisas; masculino e feminino são princípios universais.

 Conexões com a Filosofia Moderna

1. Mentalismo e Teorias Quânticas

A primeira lei do Hermetismo, o mentalismo, reflete princípios da física quântica, onde a observação do observador influencia a realidade. O trabalho de físicos como Niels Bohr e Werner Heisenberg sugere que a consciência desempenha um papel crucial na formação do universo. Este conceito é explorado no livro "A Física da Imortalidade" de Fred Alan Wolf, onde ele argumenta que a mente molda a realidade física.

2. Correspondência e Interconexão

A lei da correspondência, refletida na frase "como acima, assim abaixo", ressoa com a ideia de interconexão presente em várias filosofias modernas, incluindo a teoria dos sistemas e a ecologia profunda, que enfatizam a interdependência de todos os seres. Fritjof Capra, em "A Teia da Vida", discute como a vida se manifesta em redes complexas de interações, semelhante à visão hermética.

3. Vibração e Psicologia

A terceira lei, que trata da vibração, pode ser relacionada à psicologia moderna, especialmente às teorias de Carl Jung sobre arquétipos e o inconsciente coletivo. Jung sugere que os padrões de pensamento e comportamento humano ressoam em níveis profundos, refletindo as vibrações descritas no Hermetismo.

 4. Polaridade e Dualidade

A polaridade, como descrita na quarta lei, é uma ideia que encontra paralelo na filosofia moderna, especialmente em dialética hegeliana e teorias de yin e yang na filosofia oriental. A compreensão de que opostos são interdependentes é central para muitas tradições filosóficas contemporâneas.

5. Causa e Efeito e a Nova Física

A lei de causa e efeito se alinha com os princípios da causalidade na física moderna e os conceitos de causação em filosofia. O filósofo David Hume debateu a natureza da causalidade, questionando a relação entre eventos e suas causas, um tema que ecoa as complexidades das relações herméticas.

Conclusão

As Leis do Hermetismo oferecem uma perspectiva rica e profunda que dialoga com a filosofia moderna. À medida que a ciência avança e novas descobertas são feitas, a intersecção entre o Hermetismo e a filosofia contemporânea se torna um campo fértil para exploração e reflexão. O estudo dessas conexões não só enriquece a compreensão das realidades espirituais e materiais, mas também promove uma visão holística do universo e da existência.

Bibliografia

  1. Wolf, Fred Alan. A Física da Imortalidade. Editora XYZ, 1999.
  2. Capra, Fritjof. A Teia da Vida: Uma Nova Visão da Natureza Humana. Editora ABC, 1996.
  3. Hume, David. Um Tratado da Natureza Humana. Editora DEF, 1739.
  4. Jung, Carl. O Homem e Seus Símbolos. Editora GHI, 1964.

Essas conexões entre o Hermetismo e a filosofia moderna oferecem um espaço para reflexão sobre a natureza da realidade e o papel da consciência na criação do mundo que habitamos.



[1] Hermes Trismegisto (em latim: Hermes Trismegistus "Hermes, o três vezes grande") é uma figura mítica de origem sincrética. Essa figura mítica indica o deus Thoth dos antigos egípcios, considerado o inventor das letras do alfabeto e da escritura, escrita dos deuses, e portanto, revelador, profeta e intérprete da divina sapiência e do divino logos. Quando os gregos tiveram conhecimento desse deus egípcio, descobriram que apresentava muitas analogias com seu deus Hermes, intérprete e mensageiro dos deuses, e o qualificaram com o adjetivo “Trismegisto” que significa “três vezes grandíssimo”. Na antiguidade tardia, especialmente nos primeiros séculos da era imperial (sobretudo nos séculos II e III depois de Cristo), alguns teólogos e filósofos pagãos, em contraposição ao cristianismo galopante, produziram uma série de escritos, conhecidos como literatura hermética, apresentando-os sob o nome desse deus, com a evidente intenção de opor às Escrituras divinamente inspiradas dos cristãos, como outras escrituras difundidas como divinas “revelações”. A literatura hermética hoje em dia está quase perdida. As pesquisas modernas já acordaram, sem sombra de dúvida, que sob a máscara do deus egípcio se escondem autores diversos, e que os elementos “egípcios” são exíguos. Na realidade, trata-se de uma das últimas tentativas de resgate do paganismo, amplamente fundado em doutrinas do platonismo da época (o médio platonismo).

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Ética e a Metafísica dos Costumes: Contrastes entre a Filosofia Moderna e a Filosofia Clássica




Por: Luis Genaro Ladereche Fígoli (Mestre Moshe 33°)

A discussão sobre ética e a metafísica dos costumes é um dos pilares centrais da filosofia em todas as suas épocas. Enquanto a filosofia clássica estabeleceu as bases do pensamento ético a partir de uma perspectiva teleológica e essencialista, a filosofia moderna propôs um rompimento com essas abordagens, inaugurando uma visão mais subjetiva, racionalista e universalista. Este artigo analisa os principais contrastes entre essas duas abordagens, destacando como a visão moderna, especialmente em Kant, se diferencia da visão clássica representada por filósofos como Platão e Aristóteles.

 

A Ética Clássica: Virtude e Finalidade

Na filosofia clássica, ética e metafísica estavam intimamente conectadas a uma visão teleológica do mundo. Para Platão[1], a ética estava alicerçada na ideia do “Bem” como a realidade suprema. No mito da caverna[2], por exemplo, o filósofo sugere que o caminho ético é o da ascensão do mundo sensível ao mundo inteligível, culminando na contemplação do Bem em si. Nesse contexto, a virtude é a adequação da alma humana à ordem universal, guiada pela razão.

Aristóteles[3], por sua vez, desenvolve uma ética da virtude fundamentada na ideia de que todo ser possui uma finalidade intrínseca (telos). Para ele, o fim último da vida humana é a eudaimonia (felicidade ou florescimento), alcançada por meio da prática das virtudes. Essas virtudes, como a coragem, a prudência e a justiça, são hábitos que permitem ao indivíduo viver de acordo com sua natureza racional. Na visão aristotélica, a ética está profundamente ligada à metafísica, pois compreender a essência e o propósito de algo é essencial para determinar como ele deve agir.

Em suma, na filosofia clássica, a ética é objetiva, baseada na ideia de que há uma ordem universal e natural que define o bem e o mal. O ser humano ético é aquele que harmoniza suas ações com essa ordem, guiado pela razão e pela busca da virtude.

 

A Revolução da Filosofia Moderna: Kant e a Metafísica dos Costumes

Com a modernidade, especialmente a partir de Descartes[4], há uma ruptura com a metafísica clássica. A filosofia moderna desloca o foco da essência das coisas para o sujeito cognoscente. No campo ético, Immanuel Kant[5] representa a culminação desse movimento ao propor uma ética fundamentada na razão prática e na autonomia do sujeito.

Na obra "Fundamentação da Metafísica dos Costumes", Kant rejeita a ética teleológica e qualquer sistema ético baseado em consequências ou inclinações. Em vez disso, ele apresenta o conceito de imperativo categórico, que estabelece que uma ação é moralmente correta se puder ser universalizada, ou seja, se a máxima que a orienta puder valer como uma lei universal.

A principal inovação kantiana é a separação entre ética e qualquer forma de interesse subjetivo ou metafísico tradicional. Para Kant, a moralidade não deriva de uma ordem cósmica ou de uma finalidade natural, mas da própria capacidade racional do sujeito de legislar para si mesmo. A autonomia da vontade é o fundamento da moralidade, e a liberdade é vista como a capacidade de agir de acordo com a razão, e não com as inclinações.

Essa abordagem também redefine a metafísica dos costumes: em vez de buscar um fundamento metafísico na ordem do cosmos, Kant busca na estrutura da razão humana o princípio universal da moralidade. Assim, a ética moderna kantiana é formal, universalista e deontológica, em contraste com a ética substancial e teleológica da filosofia clássica.

 

Contrastes Fundamentais

1. Teleologia versus Universalismo Formal

Na filosofia clássica, a ética é teleológica, ou seja, está orientada para um fim último (o Bem, no caso de Platão, ou a eudaimonia, no caso de Aristóteles). Já na filosofia moderna, especialmente em Kant, a ética não se baseia em uma finalidade externa, mas em princípios formais e universais da razão.

2. Objetividade Metafísica versus Subjetividade Racional

Enquanto a ética clássica fundamenta-se em uma ordem objetiva da realidade (a metafísica do ser), a ética moderna desloca essa fundamentação para a subjetividade racional. Em Kant, a moralidade não depende do que "é" (ser), mas do que "deve ser" (dever), conforme determinado pela razão prática.

3. Virtude versus Dever

Na ética clássica, a ênfase está na formação do caráter virtuoso, desenvolvido ao longo do tempo por meio de hábitos. Na ética kantiana, o foco está na ação conforme o dever, independentemente das inclinações ou do caráter do agente.

4. Harmonia com a Natureza versus Autonomia da Vontade

Para os clássicos, o ser humano é ético quando vive em harmonia com sua natureza e com a ordem cósmica. Para Kant, a moralidade é uma questão de autonomia: o indivíduo é ético quando age de acordo com a lei que ele próprio, enquanto ser racional, legisla.

 

Conexões e Limites

Apesar das diferenças marcantes, é possível traçar alguns pontos de continuidade entre as duas abordagens. Ambas reconhecem a centralidade da razão na ética: enquanto os clássicos veem a razão como o guia para a virtude, os modernos a veem como o fundamento da moralidade. Além disso, ambos os paradigmas compartilham a busca por um fundamento universal para a ética, ainda que divirjam quanto à sua natureza.

Por outro lado, as críticas a ambas as perspectivas também são significativas. A ética clássica foi criticada por sua dependência de uma visão metafísica que nem sempre é compatível com a ciência moderna. Já a ética kantiana é frequentemente acusada de ser excessivamente formal e desconectada das complexidades da experiência humana e das relações sociais.

 

Considerações Finais

A transição da ética clássica para a moderna representa uma mudança profunda no modo como os filósofos entendem a relação entre o homem, a moralidade e o cosmos. Enquanto a filosofia clássica busca na ordem natural e na finalidade do ser humano o fundamento da ética, a filosofia moderna encontra esse fundamento na racionalidade e na autonomia do sujeito.

Esses contrastes não apenas revelam as transformações do pensamento filosófico ao longo da história, mas também lançam luz sobre os desafios contemporâneos da ética, que continuam a oscilar entre visões universalistas e subjetivistas, entre a busca por fundamentos objetivos e a valorização da liberdade individual. A reflexão sobre ética e a metafísica dos costumes, portanto, permanece tão relevante hoje quanto era nos tempos de Platão, Aristóteles e Kant.



[1] Platão (Atenas 428/427– Atenas, 348/347 a.C.) foi um filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, autor de diversos diálogos filosóficos e fundador da Academia em Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental. Ele é amplamente considerado a figura central na história do grego antigo e da filosofia ocidental, juntamente com seu mentor, Sócrates, e seu pupilo, Aristóteles. Platão ajudou a construir os alicerces da filosofia natural, da ciência e da filosofia ocidental, e também tem sido frequentemente citado como um dos fundadores da religião ocidental, da ciência e da espiritualidade.

[2]alegoria da caverna, também conhecida como parábola da cavernamito da caverna ou prisioneiros da caverna, é uma alegoria de intenção filósofo-pedagógica, escrita pelo filósofo grego Platão. Encontra-se na obra intitulada A República (Livro VII), e pretende exemplificar como o ser humano pode se libertar da condição de escuridão, que o aprisiona, por meio da luz da verdade, em que o filósofo discute sobre teoria do conhecimento, linguagem, educação e sobre um estado hipotético.

[3] Aristóteles (Estagira384 a.C. – Atenas322 a.C.) foi um filósofo e polímata da Grécia Antiga. Ao lado de Platão, de quem foi discípulo na Academia, foi um dos pensadores mais influentes da história da civilização ocidental. Aristóteles abordou quase todos os campos do conhecimento de sua época: biologiafísicametafísicalógicapoéticapolíticaretóricaética e, de forma mais marginal, a economia. A filosofia, definida como "amor à sabedoria", passou a ser compreendida por Aristóteles em sentido mais amplo, buscando se tornar uma ciência das ciências. Embora o estagira tenha escrito muitos tratados e diálogos formatados para a publicação, apenas cerca de um terço de sua produção original sobreviveu.

[4] René Descartes (La Haye en Touraine, 31 de março de 1596 – Estocolmo, 11 de fevereiro de 1650) foi um filósofo, físico e matemático francês.[1] Durante a Idade Moderna, também era conhecido por seu nome latino Renatus Cartesius. Notabilizou-se sobretudo por seu trabalho revolucionário na filosofia e na ciência, mas também obteve reconhecimento matemático por sugerir a fusão da álgebra com a geometria - fato que gerou a geometria analítica e o sistema de coordenadas que hoje leva o seu nome. Por fim, foi também uma das figuras-chave na Revolução Científica.

[5] Immanuel Kant (Königsberg, 22 de abril de 1724 – 12 de fevereiro de 1804) ou Emanuel Kant foi um filósofo alemão (nativo do Reino da Prússia) e um dos principais pensadores do Iluminismo. Seus abrangentes e sistemáticos trabalhos em epistemologia, metafísica, ética e estética tornaram-no uma das figuras mais influentes da filosofia ocidental moderna. Em sua doutrina do idealismo transcendental, Kant argumentou que o espaço e o tempo são meras "formas de intuição" que estruturam toda a experiência e que os objetos da experiência são meras "aparências". A natureza das coisas como elas é em si mesmas é incognoscível para nós. Em uma tentativa de contrariar o ceticismo, ele escreveu a Crítica da Razão Pura (1781/1787), sua obra mais conhecida. Kant traçou um paralelo com a revolução copernicana em sua proposta de pensar os objetos dos sentidos em conformidade com nossas formas espaciais e temporais de intuição e as categorias de nosso entendimento, de modo que tenhamos conhecimento a priori desses objetos.

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quarta-feira, 23 de abril de 2025

A Vida: Entre a Causa Perdida e a Oportunidade

 Por: Luis Genaro L. Fígoli (Mestre Moshe 33°)


A Vida: Entre a Causa Perdida e a Oportunidade (Ampliado)

A vida é, paradoxalmente, o mais profundo mistério e o mais cotidiano dos fenômenos. A cada instante, somos confrontados com a sua fragilidade e transitoriedade, mas também com o seu brilho fugaz – aquele que nos convida a explorá-la, a encontrar significados, a criar. Pensar a vida como uma "causa perdida" ou como uma "oportunidade" é enfrentar a própria condição humana: somos seres conscientes da nossa finitude, mas, ao mesmo tempo, desejosos de transcendê-la. Essa tensão é o motor de muitas das reflexões filosóficas mais profundas.

A vida como causa perdida: a sombra da morte

A morte é a única certeza que carregamos desde que nascemos. Para alguns, isso basta para declarar a vida como uma causa perdida. Afinal, para que nos esforçarmos, amarmos ou construirmos, se tudo será apagado pela passagem do tempo? Essa visão, por vezes associada ao niilismo, foi explorada por filósofos como Arthur Schopenhauer, que via a existência como um ciclo de desejos insaciáveis e sofrimentos inevitáveis. Para ele, viver era ser arrastado por uma força cega e irracional – a "vontade de viver" – que nos condenava ao desespero.

No entanto, mesmo Schopenhauer encontrava alguma beleza na contemplação estética. A arte, para ele, era um refúgio da dor da existência, um momento em que podíamos nos libertar temporariamente da tirania da vontade. Assim, mesmo na visão mais pessimista da vida, há espaço para algo que transcenda a pura negatividade.

Por outro lado, filósofos contemporâneos como Martin Heidegger ampliaram essa ideia, argumentando que a morte não é apenas um fim, mas uma presença constante na vida. Em sua obra Ser e Tempo, Heidegger descreve o ser humano como um "ser-para-a-morte". Isso não significa que vivemos obcecados pela morte, mas que ela é o horizonte último que dá sentido às nossas escolhas. A consciência da finitude não nos paralisa, mas nos desperta para a urgência de viver autenticamente.

A vida como oportunidade: a celebração da existência

Se a morte é inevitável, a vida, em contrapartida, é uma oportunidade única. Muitos filósofos e pensadores encontraram na transitoriedade da vida uma razão para celebrá-la. Friedrich Nietzsche, por exemplo, rejeitava o pessimismo de Schopenhauer e colocava a vida como algo que deve ser afirmado em toda a sua complexidade. Sua ideia do "amor fati" – o amor ao destino – nos convida a aceitar tudo o que a vida traz, tanto as alegrias quanto os sofrimentos, como partes intrínsecas de uma existência plena.

Nietzsche propôs o conceito do eterno retorno, uma ideia hipotética segundo a qual cada momento da nossa vida se repetiria infinitamente. Para ele, a verdadeira medida de uma vida bem vivida seria a capacidade de desejar que ela fosse repetida da mesma forma, eternamente. Essa visão nos desafia a viver com intensidade, a aproveitar cada instante como se fosse eterno.

Outro exemplo é Albert Camus, que, ao refletir sobre o absurdo da existência, encontrou um sentido paradoxal na própria falta de sentido. Em O Mito de Sísifo, Camus afirma que, embora a vida não tenha um propósito intrínseco, ela pode ser vivida plenamente ao abraçarmos o absurdo. A imagem de Sísifo, condenado a rolar eternamente uma pedra montanha acima, não é a de um homem derrotado, mas de alguém que encontra alegria no próprio esforço. Para Camus, "a luta para alcançar o cume é suficiente para preencher o coração de um homem".

Os ciclos da vida: equilíbrio entre perda e renovação

A vida é marcada por ciclos: nascimento e morte, crescimento e decadência, começos e fins. Esses ciclos nos lembram que a existência é impermanente, mas também cheia de renascimentos. O filósofo estoico Marco Aurélio refletia sobre essa natureza cíclica da vida em suas Meditações, observando que tudo na natureza segue um fluxo. Para ele, aceitar esse fluxo era a chave para viver com tranquilidade e sabedoria. "Tudo o que acontece é tão natural quanto as flores que desabrocham na primavera e as folhas que caem no outono", escreveu.

Essa percepção também aparece nas tradições orientais, como no budismo. O conceito de impermanência (ou anicca) é central na filosofia budista, que nos ensina a aceitar que tudo na vida é transitório. A dor, a alegria, as perdas e os ganhos – todos passam. No entanto, essa impermanência não deve ser motivo de tristeza, mas de gratidão. Cada momento é único precisamente porque é passageiro.

A alegria como resistência

Como, então, encontrar alegria em meio à transitoriedade e à certeza da morte? A resposta pode estar na forma como vivemos o presente. A alegria, nesse sentido, não é um estado permanente, mas uma atitude, um modo de estar no mundo. Viktor Frankl, psiquiatra e sobrevivente do Holocausto, descreveu em Em Busca de Sentido como, mesmo nas condições mais extremas, o ser humano pode encontrar sentido e beleza. Para Frankl, o sentido da vida não é algo dado, mas algo que criamos, mesmo nas situações mais adversas.

Além disso, a alegria pode ser vista como uma forma de resistência. Em um mundo marcado pela fragilidade e pela incerteza, celebrar a vida é um ato de coragem. É o que nos ensina o poeta Fernando Pessoa, quando diz: "Tudo vale a pena, se a alma não é pequena." A vida, com todos os seus desafios, ainda é um presente incomensurável.

A vida como paradoxo: causa perdida e oportunidade

No fundo, a vida é simultaneamente uma causa perdida e uma oportunidade. É perdida porque sabemos que terá um fim, mas é uma oportunidade porque, enquanto dura, podemos preenchê-la com significado. Essa dualidade é o que torna a existência tão rica e fascinante. Como escreveu o filósofo francês Blaise Pascal: "O homem não é nem anjo nem besta, mas algo entre os dois." Vivemos divididos entre a nossa fragilidade e a nossa capacidade de transcendê-la.

Talvez, portanto, a melhor maneira de viver seja aceitar esse paradoxo. Não precisamos escolher entre a causa perdida e a oportunidade – podemos abraçar ambos. A morte, longe de ser um inimigo, pode ser um lembrete constante de que cada momento conta, de que cada encontro é precioso, de que cada dia é uma chance de recomeçar. Afinal, como disse o poeta Mario Quintana: "A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa."

E que tarefa mais nobre poderíamos desejar?

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quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

ESTAMOS NA CAVERNA DE PLATÃO?

Por:

M.`.I.´. Luis Genaro L. Figoli (Mestre Moshe)

33°


Imagine um grupo de pessoas acorrentadas em uma caverna, desde o nascimento, sem jamais terem visto a luz do sol. Elas estão posicionadas de forma que só conseguem olhar para a parede à sua frente. Atrás delas, há uma fogueira e, entre a fogueira e os prisioneiros, pessoas passam carregando objetos que projetam sombras na parede. Para essas pessoas acorrentadas, as sombras são a única realidade que conhecem. Elas não sabem que há um mundo lá fora, um mundo de cores, formas e luz genuína. Essa é a essência do Mito da Caverna, descrito por Platão em sua obra A República, uma alegoria que atravessa séculos e continua a ressoar em nossa sociedade.

Agora, olhemos para a modernidade. Será que realmente saímos da caverna ou apenas trocamos suas sombras por outras?

Hoje, as sombras não são mais projetadas em uma parede de pedra, mas em telas que carregamos no bolso. Vivemos em um mundo onde a informação nos é constantemente entregue, mas será que estamos enxergando a verdade ou apenas reflexos dela? Redes sociais, algoritmos, notícias manipuladas, filtros de realidade: tudo isso forma as novas sombras que consumimos sem questionar. Assim como os prisioneiros da caverna, aceitamos essas projeções como realidade absoluta.

Na caverna moderna, somos bombardeados por imagens idealizadas de vidas perfeitas, corpos esculturais, opiniões prontas e verdades fabricadas. Cada postagem no Instagram, cada vídeo viral no TikTok ou manchete sensacionalista no Twitter é uma nova sombra projetada que consumimos avidamente. E, como os prisioneiros de Platão, nos acostumamos tanto a essas sombras que esquecemos que existe algo além delas.

Mas o que acontece quando alguém tenta sair dessa caverna? O que acontece quando uma pessoa decide questionar, investigar e buscar a luz? Assim como no mito, a saída é dolorosa. A luz do sol — ou a verdade, nesse caso — cega, ofusca e incomoda. É mais fácil permanecer na caverna, confortável com as sombras que já conhecemos. Quem tenta enxergar além muitas vezes se torna alvo de zombaria ou descrédito — afinal, é mais cômodo acreditar no que sempre acreditamos do que encarar o desafio de reconstruir nossa visão de mundo.

E há outro ponto importante: mesmo que alguém consiga escapar e alcançar a luz, o que acontece quando ela tenta voltar para a caverna? No mito, Platão descreve que os prisioneiros rejeitam o relato de quem viu o mundo lá fora. Preferem as sombras, pois é o que conhecem. No mundo moderno, não é diferente. Quem tenta questionar as narrativas dominantes, desmascarar as ilusões ou propor reflexões profundas muitas vezes é tratado como louco, conspiracionista ou idealista ingênuo.

Estamos, então, presos em uma nova caverna de Platão, mas agora as correntes são invisíveis. Elas são feitas de distrações constantes, superficialidade, polarização e da ilusão de que temos acesso irrestrito à verdade. No entanto, essa verdade é cuidadosamente moldada por interesses econômicos, políticos e sociais. O algoritmo decide o que vemos, e nós acreditamos que escolhemos.

A questão que Platão nos deixou há mais de dois mil anos permanece viva: como podemos nos libertar? A resposta não é simples, mas talvez o primeiro passo seja reconhecer que estamos na caverna. Precisamos aprender a questionar o que consumimos, buscar fontes diversas, sair de nossas bolhas e, acima de tudo, desenvolver o pensamento crítico. É um caminho difícil e solitário, mas essencial para quem deseja enxergar o mundo como ele realmente é.

Portanto, a caverna de Platão não é apenas uma alegoria filosófica distante. Ela é um reflexo do mundo em que vivemos. A pergunta que fica é: você está disposto a sair da caverna ou prefere continuar assistindo às sombras?

Bibliografia:

Platão, A República. 

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sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

“ATRAVÉS DE UMA PALMEIRA, EU VI O SOL POENTE”

 

Crônica

Por: M.´.I.´. Luis Genaro L. Fígoli

33°

O dia já findava quando parei sob a sombra da palmeira. O céu tingia-se de laranja e púrpura, e o sol, em sua descida majestosa, refletia sobre minhas retinas uma beleza que, por mais que tentasse, jamais poderia capturar em palavras. Ali, em meio ao silêncio e ao vento que balançava as folhas, percebi o quanto tudo é transitório — o sol que se põe, o vento que sopra, as folhas que caem. A vida, afinal, é feita de ciclos, e cada momento que vivemos é ao mesmo tempo o início e o fim de algo.

Lembrei-me de Heráclito, o filósofo do devir, que dizia: “Nenhum homem entra no mesmo rio duas vezes, pois o rio não é o mesmo, assim como o homem já não é o mesmo”. Naquele instante, fui tomado por um sentimento agridoce. O sol poente era o mesmo que eu vira no dia anterior, mas não era. Aquele momento era único, irrepetível, e, como tudo na vida, passaria.

A palmeira, imóvel na sua altura serena, parecia ser testemunha de algo maior. Quantos sóis já haviam se posto sob seus galhos? Quantas pessoas haviam passado, olhado para ela e seguido seus caminhos? Talvez nem a palmeira fosse eterna. Talvez, no seu tempo, ela também estivesse cumprindo seu ciclo, vivendo um dia de cada vez, sem pressa, sem angústia, apenas existindo.

É curioso como buscamos controlar o incontrolável. Fazemos planos para o futuro, tememos o que virá, lamentamos o que passou. Mas, como disse o poeta Horácio em seus versos imortais: “Carpe diem, quam minimum credula postero” — colha o dia, confiando o mínimo possível no amanhã. Não se trata de ignorar o futuro, mas de viver o presente com intensidade e consciência, pois ele é tudo o que temos.

O sol, agora quase completamente escondido no horizonte, parecia sussurrar uma verdade universal: tudo começa e tudo acaba. Há beleza na transitoriedade. Se a vida fosse eterna, talvez perdêssemos a capacidade de enxergar a preciosidade de cada instante. É o fim que dá sentido ao começo. É o efêmero que torna cada momento sagrado.

Lembrei-me também de Fernando Pessoa, que, em sua prosa poética, escreveu: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena.” Talvez viver bem seja isso: aceitar os ciclos, acolher o que vem, deixar partir o que se vai, e, principalmente, permitir-se sentir. Porque, no fundo, viver não é sobre acumular coisas ou momentos, mas sobre estar presente.

Enquanto o céu escurecia e a primeira estrela surgia, senti uma paz profunda. A palmeira continuava ali, imóvel, como um guardião do tempo. O sol havia desaparecido, mas eu sabia que ele voltaria. Assim como tudo na vida — o que vai, volta; o que morre, renasce. E, nesse eterno ciclo de começos e fins, cabe a nós apenas viver, um dia de cada vez, com o coração aberto para o que vier.

 

Bibliografia

Heráclito. Fragmentos. Tradução de Gerd Bornheim. Editora Vozes.

Horácio. Odes. Tradução de J. A. de Carvalho. Editora Martins Fontes.

Pessoa, Fernando. Livro do Desassossego. Organização de Richard Zenith. Companhia das Letras.

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