domingo, 2 de maio de 2010

A Religiosidade na Maçonaria

A RELIGIOSIDADE NA MAÇONARIA



Por: David Caparelli

Em primeiro lugar, notadamente para haver uma clara distinção entre religião e religiosidade, é preciso que delineemos os conceitos dos dois termos, para alcançarmos o fim a que se propõe este trabalho.

E o fim a que se destina este trabalho tem sua justificativa no fato de que muitos não entendem que Maçonaria não é religião, apesar de ser religiosa.

Muitas pessoas confundem o fato de uma pessoa não possuir determinada religião com o fato de ela ser atéia – o que não é uma realidade. Dentro desta linha de raciocínio, temos os aconfessionais, ou seja, aqueles que crêem em um Ente Superior, mas que não praticam qualquer tipo de religião, dentre as que estamos acostumados – catolicismo, messianismo, espiritismo etc.

Para crer em Deus – no G∴ A∴ D∴ U∴ - não é preciso professar uma crença estabelecida, mas possuir um elo com o Criador.

John R. Hinnels, em sua obra "Dicionário da Religiões", Ed. Cultrix, com grande propriedade, ao conceituar religião, afirma que “ as definições dos dicionários são freqüentemente perifrásticas, preconceituosas ou tão genéricas que se tornam inúteis.”

Neste diapasão, encontramos, não raras as vezes, definições em que a Maçonaria aparece como religião e, pior ainda, como uma religião satânica.

Na obra citada, o autor excerta texto de J. M. Yinger, onde o conceito de religião aparece desta forma: “sistema de crenças e práticas por meio das quais um grupo de pessoas luta com os problemas básicos da vida humana.”

Parece-nos, também, conceito vago e pouco apropriado, posto que religião deriva de religar e, desta forma, teríamos na religião uma série de ritos e uma liturgia própria, que fizesse o ser Humano voltar à essência natural, a Divindade.

A materialização do termo provoca dúvidas e nos leva a conceitos deturpados do que realmente venha a ser religião. Analisando do ponto de vista próprio do termo, no que se refere a religar, não haveria necessidade de várias religiões, dissidências, ou mesmo conflito entre elas. Bastaria a crença em Deus para uma perfeita convivência entre os homens.

Religiosidade, por sua vez, diz respeito à crença e está muito mais ligada à pessoas do que a grupos que professam uma crença específica de uma religião. Esta assertiva, ainda que em outras palavras, podemos encontrar no Dicionário citado linhas acima. Uma pessoa pode ser religiosa sem que, com isso, participe de qualquer das religiões conhecidas. Havendo a crença em um Ente Superior, há religiosidade, apesar de não estar a pessoa ligada a qualquer religião.

E quem melhor nos define o conceito de religião, dentro do que dito até o momento, é o Pe. Jesuíta Valerio Alberton, em sua obra O Conceito de Deus na Maçonaria, quando indaga?

MAS, QUE É RELIGIÃO?
Essencialmente o relacionamento do homem com seu deus, o G∴ A∴ D∴ U∴. Relacionamento acentuado pela divisa Deus Meumque Ius, de todos os Supremos Conselhos do Mundo, do R∴E∴A∴A∴. Embora o conceito de religião seja ainda hoje muito debatido, o vocábulo religião deriva do latim Religio, conforme Cícero ( anos 106 - 143 antes de cristo ) Relegere, considerar cuidadosamente – é o que faz o homem quando perscruta a natureza e penetra no criador desta natureza, ou de Religare, ligar, prender, conforme lactâncio ( mais ou menos 330 depois de cristo ): a Religião liga, de fato, os homens a Deus pela piedade. São considerações complementares: considerar atentamente para se ligar mais estreitamente. Na verdade, uma atitude para com Deus traduz-se, normalmente, em atos. ”


René Descartes, em seu Discurso do Método, afirma a crença em Deus, asseverando: “ Ora, depois que o conhecimento de Deus e da alma deu-nos assim a certeza Dessa regra, é bem fácil saber que os sonhos que imaginamos durante o sono não devem de modo algum fazer-nos duvidar da verdade dos pensamentos que temos quando acordados. Pois se acontecesse que, mesmo dormindo, ocorresse uma ideia muito distinta, como, por exemplo, que um geômetra inventasse alguma nova demonstração, seu sono não impediria de ser verdadeira.

Sem dúvida alguma, o Iluminismo nos trouxe esta concepção de religiosidade, posto que mais se deu importância à razão:

ILUMINISMO ou IDADE DA RAZÃO, período na história em que os filósofos deram ênfase ao uso da razão como o melhor método de se chegar à verdade. O período iluminista começou no séc. XVII durando até o final do séc. XVIII. O Iluminismo também é chamado de Século das Luzes. Entre seus líderes, figuram vários filósofos franceses, o marquês de Condorcet, René Descartes, Denis Diderot, Jean Jacques Rousseau e Voltaire, e o filósofo inglês John Locke.

Os líderes do Iluminismo baseavam-se muito no método científico, com sua ênfase na experiência e na observação cuidadosa. Nesse período, houve descobertas de grande importância nos campos da anatomia, astronomia, química, matemática e física. Os iluministas organizaram o conhecimento em enciclopédias e fundaram sociedades científicas.

Acreditavam que o método científico podia ser aplicado ao estudo da natureza humana. Estudaram pontos controversos na educação, no direito, na filosofia e na política, e atacaram a tirania, a injustiça social, a superstição e a ignorância. Muitas de suas idéias contribuíram diretamente para a deflagração das revoluções norte-americana e francesa no final do séc. XVIII.

Para os iluministas, o progresso nos assuntos humanos parecia assegurado. Acreditavam ser apenas uma questão de tempo até os homens aprenderem a deixar a razão, e não a ignorância, a emoção ou a superstição, guiá-los.

Quando os homens conseguissem isso, viveriam felizes. Condorcet expressou esse otimismo em seu Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano (1793-1794).

Descartes, em seu Discurso, nada mais fez do que adaptar o conceito de Deus à uma razão por si criada. Este adendo se fez necessário, posto que desejassem mostrar nestas linhas que a Maçonaria é religiosa, sem que, com isto, seja uma religião.
Da obra O Manuscrito Régio e o Livro das Constituições, de Ambrósio Peters, Ed. A Trolha, ao analisarmos as obrigações de um Pedreiro Livre, vimos que:

“ I. Sobre Deus e Religião
Um Maçom é obrigado, por dever de ofício, a obedecer a Lei Moral; e se ele compreende corretamente a Arte, nunca será um estúpido Ateu nem um libertino irreligioso. ”

A partir do momento em que o Maçom deve crer em um Ente Criador, sem dúvida alguma é ele um religioso, posto que encontra-se em estado perpétuo de “religação” com Deus - G∴ A∴ D∴ U∴.

Mais um adendo faz-se necessário neste ponto, posto que é muito comum, diante destes conceitos, IIr∴ errarem ao manifestar-se acerca de Deus. Em Sessão Magna Branca, o Ir∴ Orador de uma Loja, a qual, por razões óbvias, não mencionaremos, ao ler uma peça de arquitetura durante a sessão, afirmou:

O G∴ A∴ D∴ U∴, QUE É DEUS...

Sem dúvida alguma errou o Ir∴ Orador, nosso guardião da Lei. O G∴A∴ D∴ U∴ não é Deus, mas esta Entidade Criadora. Afirmamos não ser Deus porque a Maçonaria não é uma religião e, aqui começa a polêmica. E, a respeito do tema, ao delinear sobre os Landmarks da Ordem, Theobaldo Varolli Filho elenca as Regras Gerais de Anderson, onde, no primeiro artigo se lê que há “ a crença em Deus, ou seja, a convicção da existência de uma Causa Primária, de um Princípio Criador, denominado o Grande Arquiteto do Universo.

Quanto à existência e crença nesta Causa Primária, há, ainda, discussões acerca de teísmo, deísmo e panteísmo.

Por esta razão, abriremos um pequeno adendo para explicar estas conceituações e, ao depois, darmos continuidade ao nosso trabalho. Esta definição foi retirada do último trabalho realizado acerca do Rito Brasileiro:

TEÍSMO – DEÍSMO – PANTEÍSMO

Por teísta, o próprio introito de nosso ritual já diz ao que se destina: O Rito Brasileiro afirma a crença em um DEUS Criador, que, mantendo o tradicionalismo da Maçonaria, é concebido como o Supremo Arquiteto do Universo.

De fato, teísmo e deísmo são termos que se confundem em sua origem, mas que são diversos. Procuramos ajuda no Dicionário de Religiões, Ed. Cultrix, de John R. Hinnells, para responder à este questionamento e, assim, apresentar a diferença básica entre os dois termos – estes bem diversos do panteísmo.

Teísmo é a crença num único ser Divino (“Deus”, mais do que um DEUS ) pessoal, ativamente relacionado com a realidade divinamente criada, que inclui a raça humana, mas distinto dela.

Deísmo – na origem, a palavra indica a crença em um só deus, em oposição a ATEÍSMO e POLITEÍSMO. ”

Sob o aspecto da primeira parte que define teísmo e deísmo, podemos quase que afirmar terem os termos o mesmo significado. No entanto, assim não de pode afirmar.


A partir do século XVIII, deísmo passou a significar a crença em que Deus criou o mundo no princípio, mas que não intervém no curso dos assuntos naturais e humanos.


Os teístas, ao contrário, segundo a afirmação contida no Dicionário mencionado têm em Deus “o Espírito perfeito, existente por si mesmo, do qual depende o mundo para a sua existência, continuação, significado e propósito.”

Já por panteísmo, tem-se a crença de que Deus é tudo e está em tudo. Assim, em uma mesa, por exemplo, teríamos Deus. Os panteístas não admitem que a mesa tenha sido construída por inspiração divina, mas que a própria divindade ali se encontra.


Se para alguns o S∴ A∴ D∴ U∴, o Grande Árbitro dos Mundos, é Alá, como podemos afirmar que S∴ A∴ D∴ U∴ ou G∴ A∴ D∴ U∴ é Deus? Este trabalho, que visa demonstrar a diferença básica entre religião e religiosidade.

Assim, por exemplo, procurando socorro na Enciclopédia Koogan-Houaiss, encontramos a definição de Alá: “ALÁ”, nome árabe para o Ser Supremo do islã, a religião fundada por Maomé. A palavra é composta por al (o) e ilah (deus).

No Corão, que é para os muçulmanos o que a Bíblia é para os cristãos, Alá se refere ao Ser Supremo. Os muçulmanos devem repetir regularmente a frase: "Não há outro deus além de Alá; e Maomé é o apóstolo de Alá".

O próprio fato de ser um Landmark a presença do Livro da Lei nos trabalhos Maçônicos, já denota o cunho religioso da Maçonaria – diverso de que a Maçonaria seja uma religião. Compulsando Theobaldo Varolli Filho, em sua festejada obra Curso de Maçonaria Simbólica – Grau de Apr∴, ao analisarmos o governo triangular de uma Loja, podemos extrair conceitos próprios do Direito Natural, que, em outras palavras, deriva da consciência e inteligência humanas e, por esta razão, segundo os filósofos do Direito, seriam normas emanadas da Divindade e passadas por meio de inspiração.

Varolli nos ensina:
O Venerável, cuja jóia é o E∴, símbolo da retidão e das ações pautadas na Justiça2, está assentado no Oriente, no Trono de Salomão3. Para assumir esse Trono ele precisa ser Mestre e devidamente preparado numa cerimônia especial denominada Instalação. Essa regra é exigida pelos ritos espiritualistas, quer como reminiscência da unção e consagração dos reis de Israel, quer porque o Venerável é portador da Esp∴ Flam∴, destinada a transmitir ao Obreiro a fagulha, a chama iniciática4, referida na história das crenças por vários modos. Por exemplo, os sacerdotes persas da casta “ spitama ”, da religião mazdeista, eram os guardas do fogo sagrado ou do foco da luz divina. ”

Por estas razões, tendo em vista o fato de que a Maçonaria pugna pelo aperfeiçoamento moral, onde o espírito deve dominar a matéria, encontramos princípios básicos religiosos retirados da filosofia e do próprio Direito Natural, que é metafísico.

A Maçonaria é uma sociedade devidamente organizada e, como tal, calcada em normas basicamente parecidas com as do Direito Natural.

Tanto assim os landmarks onde se vislumbra que um Maçom jamais poderá ser um ateu estúpido ou um irreligioso libertino.

No diapasão em que viemos tratando este assunto, a respeito de religião e religiosidade, para alcançarmos a exata compreensão de sua diferença e, com isso, desmistificarmos, mais uma vez, as concepções errôneas acerca da Maçonaria podem afirmar, sem qualquer sofisma ou medo de errar, que o Direito é religioso.

Assim podemos abstrair das conceituações de Hegel, na primeira metade do Século XIX, que através da razão, a maioria dos filósofos chegou à conclusão de que há uma Força Criadora – cada um atribuindo à Ela um nome ou uma forma de existência – Deus, força, espírito...

Na Maçonaria, esta figura respeitosa e impessoal – impessoal no que diz respeito a evitar críticas e polêmicas religiosas – é denominada G∴ A∴ D∴ U∴. Como vimos, então, a Maçonaria é religiosa, assim como o próprio direito material que regula nossas relações no mundo em que vivemos.

Ainda que possa haver divergências quanto a estes temas, basta analisar cada Ritual, de cada Rito, para ver a excelência da religiosidade, ao menos enquanto inspiração.


No R∴ E∴ A∴ A∴, por exemplo, mesmo nos Altos Graus, a religiosidade é patente, bastando ler Castellani. Por um antropomorfismo, afirmamos ser o homem criado à imagem e semelhança de Deus e, ninguém, a não ser Deus, é Onisciente, Onipresente e Onipotente.

Desta forma, percebemos, com clareza, que nossos rituais estão cobertos de religiosidade, o que somente engrandece a Maç∴ enquanto Instituição.

Finalizamos este trabalho afirmando que a Maç∴ é religiosa e que engloba membros de todas as raças e credos.

Por esta razão é ela universalista. Podemos afirmar, ainda, que a Maçonaria é uma, sendo um desrespeito e uma vaidade sem fim, ferindo todo o caráter religioso nela inserto, a disputa entre ritos.

Que os IIr∴ tenham sempre em mente o Salmo 133, lembrando que estamos na Ordem para Levantar Templos à virtude, cavar masmorras ao vício, submeter nossas vontades, vencer nossas paixões e, nela, fazer novos progressos.

Bibliografia
- O R∴ E∴ A∴ A∴ - José Castellani – Ed. Trolha
- O Rito Brasileiro de Maçons Antigos, Livres e Aceitos – Mário Name – Ed. Trolha
- A Maçonaria e sua Herança Hebraica – José Castellani – Ed. Trolha
- Curso de Maçonaria Simbólica - Gr∴ de Apr∴ Maç∴ - Theobaldo Varolli Filho – A Gazeta Maç∴
- O Conceito de Deus na Maçonaria – Pe. Alberton – Editora Aurora
- Discurso do Método – René Descartes
- O Manuscrito Régio e o Livro das Constituições – Ambrósio Peters – Ed. Trolha
- A Descristianização da Maçonaria – Xico Trolha – Ed. Trolha
- Direito Natural – Ylves José de Miranda Guimarães – Forense
- Enciclopédia Virtual – Koogan-Houaiss


Fonte: Publicado no Anuário da Loja de Pesquisas Maçônicas Quatuor Coronati do Brasil, 2671. Republicado no Livro Maçonaria Mística de José Carlos de Araújo em 2001

5 comentários:

Ênio Reis disse...

Pod. Ir.'. Genaro, muito elucidativo esse teu trabalho. Digo isso, porque há uma infinidade de irmãos que têm dúvidas com relação a religião e a Maçonaria. Fostes feliz ao aprestar esse trabalho deixando claro a diferença entre religião e religiosidade, esta última aplicável a nossa Arte Real. Já houvi de um irmão dos altos graus, quando perguntou-me se Maçonaria era uma religião e respondi-lhe que entendia que não e ele disse pensa bem que vais ver que é. Esse teu trabalho veio sepultar de vez qualquer dúvida que por ventura eu ainda tivesse a esse respeito.
Parabéns meu irmão!
Ênio Reis - M.'.I.'. da A.'.R.'.L.'.S.'. Tradição, Justiça e Liberdade 179.

espaço do maçom disse...

Obrigado pelas palavras de incetivo meu Irm:.

Célia disse...

Penso que alguns seres humanos, ao atingirem conhecimento interior e sentimento de escrúpulo. Deixam nascer a tendência religiosa que existe em cada um de nós.No meu caso creio em Deus.Pois o sinto em minha alma,quando o busco com fé.Já ouvi a voz de Deus me dizendo:"Filha eu já te curei."Eu estava em casa sozinha com dor,e sem dinheiro para comprar remédio,tinha acabado de chegar de um medico do município que só me tratou mau.Cheguei sentei no sofá chorando e então escutei aquela voz linda.Acho que Deus, é o EU + Sábio dentro de um ser...

Unknown disse...

Não entendo a razão de, apòs ter distinguido religião de religiosidade tão bem como fez, e defendido que a Maçonaria pode englobar todas as religiões independendo qual seja, o senhor, de forma bastante ingênua, cita um Salmo Bìblico sugerindo que o leitor é Cristão ou o induzindo-o a ser. Simplesmente não entendo a razão.

espaço do maçom disse...

Não sei qual a potência que o Irm.´. pertence. Sequer sei se és m.´.. De todas formas posso te assegurar que a Bíblia, suas lendas e ensinamentos, são basilares em toda a construção do método maçônico, influenciado grandemente pelas suas origens, ainda no período operativo, onde se desenvolveu paralelamente ao cristianismo. Quem é M.´. sabe a importância do Salmo 133, que não é uma exaltação ao Cristianismo, mas a união fraternal. Esta e a mensagem que o articulista quis passar aos seus leitores.