sábado, 7 de dezembro de 2024

O SONHO NA FILOSOFIA E NA CIÊNCIA - Uma Perspectiva Interdisciplinar

 


O SONHO NA FILOSOFIA E NA CIÊNCIA - Uma Perspectiva Interdisciplinar

Por M.´. I.´. Luis Genaro Ladereche Figoli (Moshe)

G.´. 33°

Estaria a consciência e a subconsciência confinada dentro do cérebro físico, e o sonho um subproduto dela???

Resumo

O sonho é um fenômeno que intriga a humanidade desde tempos imemoriais. Na filosofia, ele foi frequentemente abordado como um tema epistemológico e metafísico, enquanto na ciência, especialmente a partir do século XIX, ele passou a ser estudado sob uma perspectiva neurocientífica e psicológica. Este artigo explora o conceito de sonho na filosofia, destacando contribuições de pensadores como Platão, Aristóteles, Descartes e Freud, e analisa as descobertas científicas que moldaram nossa compreensão moderna do tema, como os estudos sobre o sono REM. Por fim, reflete-se sobre os esforços contemporâneos para integrar as abordagens filosóficas e científicas no entendimento dos sonhos.

Introdução

Os sonhos têm sido objeto de reflexão desde a antiguidade, levantando questões sobre a natureza da mente, a realidade e a imaginação. Na filosofia, os sonhos frequentemente desafiaram os limites do conhecimento, servindo como ponto de partida para questionamentos sobre a verdade e a existência. Paralelamente, a ciência tem buscado descrever os mecanismos neurobiológicos que geram os sonhos. Este artigo propõe uma análise interdisciplinar do sonho, considerando perspectivas filosóficas e científicas de forma integrada.

A influência da cultura na interpretação dos sonhos é um tema amplamente discutido na literatura sobre o fenômeno onírico.

Ao longo da história, diferentes culturas e tradições desenvolveram distintas abordagens e significados para os sonhos, refletindo suas visões de mundo, crenças e valores sociais.

Por exemplo:

Na tradição xamânica de diversos povos indígenas, os sonhos são vistos como uma forma de comunicação com o mundo espiritual e sobrenatural, muitas vezes possuindo um caráter premonitório ou de revelação.

Na cultura chinesa tradicional, os sonhos são interpretados com base no sistema de cosmologia yin-yang e nos princípios da medicina tradicional chinesa, relacionando-os ao equilíbrio de energias no corpo e no universo.

Na psicanálise freudiana, oriunda da cultura ocidental, os sonhos são vistos como a realização disfarçada de desejos inconscientes, refletindo a dinâmica psicológica do indivíduo.

Já na tradição budista, os sonhos são considerados manifestações da mente ilusória e da natureza impermanente da realidade, servindo como um meio de alcançar a iluminação.

Essas diferenças culturais na interpretação dos sonhos refletem não apenas as cosmologias e os sistemas de crenças de cada sociedade, mas também as formas de perceber e organizar a experiência humana. Assim, a cultura desempenha um papel fundamental na atribuição de significados aos fenômenos oníricos.

 

 

O SONHO NA FILOSOFIA

A filosofia explorou os sonhos sob diferentes óticas, principalmente no que diz respeito à epistemologia e à ontologia.

Platão e Aristóteles

Para Platão, os sonhos eram manifestações da alma, frequentemente relacionadas à irracionalidade. Na "República", ele argumenta que, durante os sonhos, as paixões e os desejos reprimidos emergem, revelando aspectos ocultos da nossa psique (Platão, 2007). Por outro lado, Aristóteles, em "Sobre os Sonhos", abordou o tema de forma mais naturalista, sugerindo que os sonhos eram produtos da atividade sensorial residual no cérebro durante o sono (Aristóteles, 2006). Ele foi um dos primeiros a propor uma explicação fisiológica para os sonhos, separando-os do campo meramente espiritual.

Descartes e o Ceticismo

No racionalismo cartesiano, os sonhos desempenham um papel crucial no questionamento da certeza do conhecimento. Em suas "Meditações Metafísicas", Descartes utiliza o sonho como exemplo para argumentar que os sentidos podem ser enganosos, levando-o a duvidar de toda a experiência sensorial (Descartes, 2001). O famoso "argumento do sonho" levanta a possibilidade de que toda a nossa percepção da realidade possa ser um sonho, destacando a fragilidade da confiança nos sentidos.

Freud e o Inconsciente

Com Sigmund Freud, os sonhos ganharam uma nova dimensão no campo da psicanálise. Em "A Interpretação dos Sonhos", Freud (1996) argumenta que os sonhos são a via régia para o inconsciente, revelando desejos reprimidos e conflitos internos. Ele propôs que os sonhos possuem um conteúdo manifesto (aquilo que é lembrado) e um conteúdo latente (os desejos inconscientes). Essa abordagem marcou uma ruptura com explicações filosóficas e científicas anteriores, introduzindo o sonho como ferramenta terapêutica e objeto de análise psicológica.

 

O SONHO NA CIÊNCIA

Com o avanço das neurociências, os sonhos passaram a ser estudados como fenômenos biológicos e psicológicos.

A Descoberta do Sono REM

A descoberta do sono REM (Rapid Eye Movement) na década de 1950, por Eugene Aserinsky e Nathaniel Kleitman, revolucionou o estudo dos sonhos (Aserinsky & Kleitman, 1953). Durante o sono REM, o cérebro apresenta uma intensa atividade elétrica, semelhante à da vigília, e é nesse estágio que a maior parte dos sonhos vívidos ocorre. Essa descoberta permitiu correlacionar os sonhos com processos neurofisiológicos, deslocando as explicações puramente psicológicas.

A Neurociência dos Sonhos

Pesquisadores como Allan Hobson e Robert McCarley propuseram teorias baseadas na atividade cerebral. A "hipótese da ativação-síntese", de Hobson e McCarley (1977), sugere que os sonhos são produtos da tentativa do cérebro de dar sentido à atividade neural aleatória durante o sono REM. Por outro lado, Mark Solms (1997) defendeu a importância do córtex pré-frontal na geração de sonhos, enfatizando o papel das emoções e da motivação.

Psicologia Cognitiva

Além da neurociência, a psicologia cognitiva também contribuiu para o estudo dos sonhos. Pesquisadores como Rosalind Cartwright (2010) destacaram o papel dos sonhos na regulação emocional, sugerindo que eles ajudam a processar experiências traumáticas e a consolidar memórias.

 

FILOSOFIA E CIÊNCIA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL

Embora a filosofia e a ciência muitas vezes adotem abordagens distintas, o estudo dos sonhos revela pontos de convergência. Questões levantadas por filósofos, como a relação entre sonhos e realidade, continuam sendo relevantes para cientistas que investigam os mecanismos neurais e psicológicos dos sonhos. Além disso, a ideia freudiana de que os sonhos têm significados ocultos encontra ressonância em estudos contemporâneos sobre a relação entre sonhos e emoções.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sonho permanece como um campo fértil para o diálogo entre filosofia e ciência. Enquanto a filosofia levanta questões fundamentais sobre a natureza da mente e da realidade, a ciência oferece ferramentas para investigar os mecanismos subjacentes aos sonhos. No futuro, a integração entre essas abordagens poderá ampliar nossa compreensão sobre a mente humana e suas manifestações oníricas.

 

Referências

Aristóteles. (2006). Sobre os Sonhos. São Paulo: Editora Martin Claret.

Aserinsky, E., & Kleitman, N. (1953). "Regularly occurring periods of eye motility, and concomitant phenomena, during sleep". Science, 118(3062), 273-274.

Cartwright, R. (2010). The Twenty-four Hour Mind: The Role of Sleep and Dreaming in Our Emotional Lives. Oxford: Oxford University Press.

Descartes, R. (2001). Meditações Metafísicas. São Paulo: Editora Martins Fontes.

Freud, S. (1996). A Interpretação dos Sonhos. Rio de Janeiro: Imago.

Hobson, J. A., & McCarley, R. W. (1977). "The Brain as a Dream State Generator: An Activation-Synthesis Hypothesis of the Dream Process". American Journal of Psychiatry, 134(12), 1335-1348.

Platão. (2007). A República. São Paulo: Editora Martins Fontes.

Solms, M. (1997). The Neuropsychology of Dreams: A Clinico-Anatomical Study. Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates.

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