Por M.´. I.´. Luis Genaro Ladereche Figoli (Moshe)
G.´. 33°
Estaria a consciência e a subconsciência confinada dentro do cérebro físico, e o sonho um subproduto dela???
Resumo
O
sonho é um fenômeno que intriga a humanidade desde tempos imemoriais. Na
filosofia, ele foi frequentemente abordado como um tema epistemológico e
metafísico, enquanto na ciência, especialmente a partir do século XIX, ele
passou a ser estudado sob uma perspectiva neurocientífica e psicológica. Este
artigo explora o conceito de sonho na filosofia, destacando contribuições de
pensadores como Platão, Aristóteles, Descartes e Freud, e analisa as
descobertas científicas que moldaram nossa compreensão moderna do tema, como os
estudos sobre o sono REM. Por fim, reflete-se sobre os esforços contemporâneos
para integrar as abordagens filosóficas e científicas no entendimento dos
sonhos.
Introdução
Os
sonhos têm sido objeto de reflexão desde a antiguidade, levantando questões
sobre a natureza da mente, a realidade e a imaginação. Na filosofia, os sonhos
frequentemente desafiaram os limites do conhecimento, servindo como ponto de
partida para questionamentos sobre a verdade e a existência. Paralelamente, a
ciência tem buscado descrever os mecanismos neurobiológicos que geram os
sonhos. Este artigo propõe uma análise interdisciplinar do sonho, considerando
perspectivas filosóficas e científicas de forma integrada.
A
influência da cultura na interpretação dos sonhos é um tema amplamente
discutido na literatura sobre o fenômeno onírico.
Ao
longo da história, diferentes culturas e tradições desenvolveram distintas
abordagens e significados para os sonhos, refletindo suas visões de mundo,
crenças e valores sociais.
Por
exemplo:
Na
tradição xamânica de diversos povos indígenas, os sonhos são vistos como uma
forma de comunicação com o mundo espiritual e sobrenatural, muitas vezes
possuindo um caráter premonitório ou de revelação.
Na
cultura chinesa tradicional, os sonhos são interpretados com base no sistema de
cosmologia yin-yang e nos princípios da medicina tradicional chinesa,
relacionando-os ao equilíbrio de energias no corpo e no universo.
Na
psicanálise freudiana, oriunda da cultura ocidental, os sonhos são vistos como
a realização disfarçada de desejos inconscientes, refletindo a dinâmica
psicológica do indivíduo.
Já
na tradição budista, os sonhos são considerados manifestações da mente ilusória
e da natureza impermanente da realidade, servindo como um meio de alcançar a
iluminação.
Essas
diferenças culturais na interpretação dos sonhos refletem não apenas as
cosmologias e os sistemas de crenças de cada sociedade, mas também as formas de
perceber e organizar a experiência humana. Assim, a cultura desempenha um papel
fundamental na atribuição de significados aos fenômenos oníricos.
O
SONHO NA FILOSOFIA
A
filosofia explorou os sonhos sob diferentes óticas, principalmente no que diz
respeito à epistemologia e à ontologia.
Platão
e Aristóteles
Para
Platão, os sonhos eram manifestações da alma, frequentemente relacionadas à
irracionalidade. Na "República", ele argumenta que, durante os
sonhos, as paixões e os desejos reprimidos emergem, revelando aspectos ocultos
da nossa psique (Platão, 2007). Por outro lado, Aristóteles, em "Sobre os
Sonhos", abordou o tema de forma mais naturalista, sugerindo que os sonhos
eram produtos da atividade sensorial residual no cérebro durante o sono
(Aristóteles, 2006). Ele foi um dos primeiros a propor uma explicação
fisiológica para os sonhos, separando-os do campo meramente espiritual.
Descartes
e o Ceticismo
No
racionalismo cartesiano, os sonhos desempenham um papel crucial no
questionamento da certeza do conhecimento. Em suas "Meditações
Metafísicas", Descartes utiliza o sonho como exemplo para argumentar que
os sentidos podem ser enganosos, levando-o a duvidar de toda a experiência
sensorial (Descartes, 2001). O famoso "argumento do sonho" levanta a
possibilidade de que toda a nossa percepção da realidade possa ser um sonho,
destacando a fragilidade da confiança nos sentidos.
Freud
e o Inconsciente
Com
Sigmund Freud, os sonhos ganharam uma nova dimensão no campo da psicanálise. Em
"A Interpretação dos Sonhos", Freud (1996) argumenta que os sonhos
são a via régia para o inconsciente, revelando desejos reprimidos e conflitos
internos. Ele propôs que os sonhos possuem um conteúdo manifesto (aquilo que é
lembrado) e um conteúdo latente (os desejos inconscientes). Essa abordagem
marcou uma ruptura com explicações filosóficas e científicas anteriores,
introduzindo o sonho como ferramenta terapêutica e objeto de análise
psicológica.
O
SONHO NA CIÊNCIA
Com
o avanço das neurociências, os sonhos passaram a ser estudados como fenômenos
biológicos e psicológicos.
A
Descoberta do Sono REM
A
descoberta do sono REM (Rapid Eye Movement) na década de 1950, por Eugene
Aserinsky e Nathaniel Kleitman, revolucionou o estudo dos sonhos (Aserinsky
& Kleitman, 1953). Durante o sono REM, o cérebro apresenta uma intensa
atividade elétrica, semelhante à da vigília, e é nesse estágio que a maior
parte dos sonhos vívidos ocorre. Essa descoberta permitiu correlacionar os
sonhos com processos neurofisiológicos, deslocando as explicações puramente
psicológicas.
A
Neurociência dos Sonhos
Pesquisadores
como Allan Hobson e Robert McCarley propuseram teorias baseadas na atividade
cerebral. A "hipótese da ativação-síntese", de Hobson e McCarley
(1977), sugere que os sonhos são produtos da tentativa do cérebro de dar
sentido à atividade neural aleatória durante o sono REM. Por outro lado, Mark
Solms (1997) defendeu a importância do córtex pré-frontal na geração de sonhos,
enfatizando o papel das emoções e da motivação.
Psicologia
Cognitiva
Além
da neurociência, a psicologia cognitiva também contribuiu para o estudo dos
sonhos. Pesquisadores como Rosalind Cartwright (2010) destacaram o papel dos
sonhos na regulação emocional, sugerindo que eles ajudam a processar
experiências traumáticas e a consolidar memórias.
FILOSOFIA
E CIÊNCIA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL
Embora
a filosofia e a ciência muitas vezes adotem abordagens distintas, o estudo dos
sonhos revela pontos de convergência. Questões levantadas por filósofos, como a
relação entre sonhos e realidade, continuam sendo relevantes para cientistas
que investigam os mecanismos neurais e psicológicos dos sonhos. Além disso, a
ideia freudiana de que os sonhos têm significados ocultos encontra ressonância
em estudos contemporâneos sobre a relação entre sonhos e emoções.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
O
sonho permanece como um campo fértil para o diálogo entre filosofia e ciência.
Enquanto a filosofia levanta questões fundamentais sobre a natureza da mente e
da realidade, a ciência oferece ferramentas para investigar os mecanismos
subjacentes aos sonhos. No futuro, a integração entre essas abordagens poderá
ampliar nossa compreensão sobre a mente humana e suas manifestações oníricas.
Referências
Aristóteles.
(2006). Sobre os Sonhos. São Paulo: Editora Martin Claret.
Aserinsky,
E., & Kleitman, N. (1953). "Regularly occurring periods of eye
motility, and concomitant phenomena, during sleep". Science, 118(3062),
273-274.
Cartwright,
R. (2010). The Twenty-four Hour Mind: The Role of Sleep and Dreaming in Our
Emotional Lives. Oxford: Oxford University Press.
Descartes,
R. (2001). Meditações Metafísicas. São Paulo: Editora Martins Fontes.
Freud,
S. (1996). A Interpretação dos Sonhos. Rio de Janeiro: Imago.
Hobson,
J. A., & McCarley, R. W. (1977). "The Brain as a Dream State
Generator: An Activation-Synthesis Hypothesis of the Dream Process".
American Journal of Psychiatry, 134(12), 1335-1348.
Platão.
(2007). A República. São Paulo: Editora Martins Fontes.
Solms,
M. (1997). The Neuropsychology of Dreams: A Clinico-Anatomical Study. Mahwah:
Lawrence Erlbaum Associates.
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