DEUS É MASCULINO? REFLEXÕES FILOSÓFICAS, ANTROPOLÓGICAS E TEOLÓGICAS.
Por M.´.I.´. Luis Genaro L. Figoli (Moshe)
G.´. 33°
A ideia de Deus como uma
figura masculina tem sido predominante em muitas tradições religiosas ao longo
da história. Essa representação não é simplesmente fruto de uma visão casual,
mas o resultado de um complexo entrelaçamento de fatores culturais, históricos
e teológicos. Este artigo investiga por que, em diversas tradições religiosas,
Deus é concebido como masculino, usando perspectivas filosóficas,
antropológicas e teológicas, com o suporte de citações e referências
bibliográficas.
1. Origens Históricas e
Antropológicas
Historicamente, a
predominância de sociedades patriarcais foi um fator determinante para a
masculinização da figura divina. Em culturas antigas, o poder e a autoridade
eram frequentemente associados ao homem, enquanto a mulher era vinculada a
funções reprodutivas e domésticas. Essa divisão de papéis foi refletida nas
mitologias e nas religiões.
Segundo o antropólogo Clifford
Geertz, a religião é "um sistema de símbolos que atua para estabelecer
estados de ânimo e motivações poderosas e duradouras nos homens"
(Geertz, 1973). Em sociedades patriarcais, os símbolos religiosos
frequentemente reforçam a estrutura hierárquica existente, incluindo a
associação da divindade suprema com características masculinas, como força,
autoridade e racionalidade.
Além disso, em muitas
civilizações antigas, os deuses masculinos eram retratados como guerreiros ou
criadores, enquanto as deusas femininas eram associadas à fertilidade e à
natureza. O filósofo e historiador Mircea Eliade argumenta que "as
representações de divindades masculinas como criadores e legisladores refletem
as estruturas sociais e políticas de suas respectivas culturas"
(Eliade, 1957).
2. A Teologia e a
Masculinidade de Deus
Teologicamente, a
masculinização de Deus é evidente em tradições monoteístas como o cristianismo,
o judaísmo e o islamismo. Nessas religiões, Deus é frequentemente referido como
"Pai". No cristianismo, por exemplo, Jesus Cristo chama Deus de "Pai"
em diversas passagens do Novo Testamento, como em Mateus 6:9: "Pai
nosso, que estás nos céus". Essa linguagem reflete não apenas uma
relação de proximidade e cuidado, mas também a autoridade patriarcal.
Segundo o teólogo Karl Barth,
"a masculinidade de Deus nas Escrituras não implica que Ele seja
literalmente homem ou masculino, mas reflete a relação de Deus com a humanidade
em termos de autoridade e iniciativa" (Barth, 1956). Para Barth, o uso
de termos masculinos como "Pai" e "Senhor" é mais simbólico
do que ontológico, significando o papel de Deus como criador e governante.
No entanto, a teóloga
feminista Elizabeth Johnson critica essa visão, argumentando que "a
linguagem exclusivamente masculina para Deus limita a compreensão humana da
divindade e perpetua estruturas patriarcais" (Johnson, 1992). Johnson
propõe a inclusão de metáforas femininas e neutras para Deus, a fim de refletir
a totalidade do mistério divino.
3. A Filosofia e as
Representações de Gênero em Deus
Do ponto de vista filosófico,
a questão da masculinidade de Deus está ligada à linguagem e aos conceitos
humanos de transcendência. Como apontado por Ludwig Feuerbach, "Deus é
a projeção das qualidades humanas idealizadas" (Feuerbach, 1841). Em
sociedades patriarcais, é natural que essas qualidades idealizadas sejam
associadas ao masculino.
A filósofa Simone de Beauvoir,
em sua obra O Segundo Sexo, argumenta que "o homem foi historicamente
elevado à posição de sujeito universal, enquanto a mulher é relegada ao 'outro'"
(Beauvoir, 1949). Essa percepção se reflete na representação masculina de Deus,
que é visto como o sujeito criador e transcendental.
Já o filósofo Paul Tillich
aborda a questão de maneira mais simbólica. Para Tillich, Deus está "além
do gênero", mas a linguagem humana é limitada e recorre a metáforas
masculinas porque elas foram historicamente associadas ao poder e à autoridade
(Tillich, 1951).
4. Questionamentos e
Reformulações Contemporâneas
Nos últimos séculos, teólogos,
filósofos e antropólogos têm questionado a exclusividade da masculinidade de
Deus. Movimentos feministas dentro da teologia, como o trabalho de Rosemary
Radford Ruether, defendem que "uma verdadeira teologia deve incluir
imagens femininas de Deus" (Ruether, 1983). Ruether argumenta que a
predominância de imagens masculinas reflete mais as estruturas sociais do que a
realidade divina.
Além disso, algumas tradições
religiosas não ocidentais oferecem uma perspectiva diferente. No hinduísmo, por
exemplo, o divino é frequentemente representado tanto em formas masculinas
quanto femininas, como Shiva e Shakti, que simbolizam a complementaridade entre
os gêneros.
5. Onde se encontra a mulher
na trindade cristã?
Na teologia cristã
tradicional, a Trindade é composta por três pessoas divinas: Pai, Filho e
Espírito Santo. Esses são geralmente descritos em termos de uma relação
espiritual, e não biológica ou de gênero humano. Contudo, a questão de onde a
mulher é representada ou se encontra na Trindade tem sido objeto de reflexão
teológica, espiritual e cultural ao longo dos séculos.
a. A Trindade não é
propriamente "masculina"
Embora o cristianismo
frequentemente use termos masculinos para descrever as pessoas da Trindade
(Deus Pai, Deus Filho e o Espírito Santo, que muitas vezes é referido com
pronomes masculinos em línguas como o português), Deus não é limitado por
gênero humano. Teologicamente, Deus transcende categorias como masculino ou
feminino, sendo "espírito" (João 4:24).
Deus
Pai:
A linguagem de "Pai" é simbólica e relacional, indicando proximidade
e cuidado paternal, mas não implica gênero biológico.
Jesus
Cristo: Como a encarnação do Filho, Jesus foi historicamente
homem, mas em sua divindade, Ele também transcende o gênero.
Espírito
Santo: Em algumas tradições cristãs, o Espírito Santo é associado
a qualidades tradicionalmente consideradas "femininas", como consolo,
nutrição e sabedoria.
2. Representações femininas de
Deus na tradição bíblica
A Bíblia tem passagens que
associam características divinas a imagens femininas, especialmente no que diz
respeito ao cuidado e ao amor maternal. Alguns exemplos incluem:
Isaías
66:13: "Como alguém a quem sua mãe consola, assim eu os consolarei."
Deuteronômio
32:18: Deus é descrito como aquele que "dá à luz" o povo de Israel.
Mateus
23:37: Jesus compara seu desejo de proteger Jerusalém à ação de uma galinha que
reúne seus pintinhos debaixo das asas.
Esses textos mostram que Deus
é compreendido tanto em termos paternais quanto maternais, o que sugere que a
plenitude de Deus inclui aspectos tradicionalmente atribuídos a ambos os
gêneros.
c. Maria e a representação
feminina no cristianismo
No cristianismo, especialmente
nas tradições católica e ortodoxa, Maria, mãe de Jesus, ocupa um papel central
como a figura feminina mais exaltada. Embora não faça parte da Trindade, Maria
é frequentemente vista como uma ponte simbólica para a experiência feminina na
fé cristã.
Maria é chamada de "Mãe
de Deus" (Theotokos) por ser a mãe de Jesus Cristo, o Filho de
Deus.
Sua humildade, obediência e
maternidade são exaltadas como virtudes, e ela é vista como intercessora e
modelo para os cristãos.
d. O Espírito Santo e a
Sabedoria (Sophia)
Em algumas tradições cristãs,
especialmente na mística e na teologia oriental, o Espírito Santo é associado à
Sabedoria Divina (em grego, "Sophia"). A Sabedoria é, em alguns
textos bíblicos, personificada no feminino, como em Provérbios 8:
"A
Sabedoria clama em alta voz; nas ruas levanta a sua voz" (Provérbios 8:1).
Essa personificação feminina
tem sido interpretada por alguns teólogos como uma representação do aspecto
feminino de Deus.
e. A mulher e a Imago Dei
Na teologia cristã, homens e
mulheres são igualmente criados à imagem e semelhança de Deus (Imago Dei),
conforme Gênesis 1:27:
"Criou
Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os
criou."
Isso implica que, em Deus,
tanto o masculino quanto o feminino têm sua origem e reflexo. Portanto, a
mulher está plenamente incluída na essência divina e na relação com Deus.
Embora a Trindade cristã não
seja explicitamente associada ao feminino, Deus é entendido como transcendente
ao gênero, e atributos tradicionalmente femininos (como cuidado, compaixão e
sabedoria) são aplicados a Ele em várias passagens bíblicas. Além disso,
figuras como Maria e a Sabedoria Divina (Sophia) desempenham papéis
significativos para representar aspectos femininos da fé cristã. Assim, a
mulher encontra-se plenamente integrada na relação com Deus e na reflexão
teológica cristã.
Conclusão
A masculinidade de Deus é um
reflexo das estruturas sociais, linguísticas e culturais que moldaram as
tradições religiosas ao longo da história. Embora a representação masculina de
Deus tenha sido predominante em muitas culturas, é importante reconhecer que
essa visão não é universal nem imutável. O debate contemporâneo sobre o gênero
de Deus desafia as noções tradicionais e busca desenvolver uma compreensão mais
inclusiva e abrangente do divino.
Referências
Barth, Karl. Church Dogmatics.
T&T Clark, 1956.
Beauvoir, Simone de. O Segundo
Sexo. Gallimard, 1949.
Eliade, Mircea. The Sacred and
the Profane. Harcourt, 1957.
Feuerbach, Ludwig. The Essence
of Christianity. Harper, 1841.
Geertz, Clifford. The
Interpretation of Cultures. Basic Books, 1973.
Johnson, Elizabeth A. She Who
Is: The Mystery of God in Feminist Theological Discourse. Crossroad, 1992.
Ruether, Rosemary Radford.
Sexism and God-Talk: Toward a Feminist Theology. Beacon Press, 1983.
Tillich, Paul. Systematic
Theology. University of Chicago Press, 1951.
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