Crônica
Por: M.´.I.´. Luis Genaro L. Fígoli
33°
O dia
já findava quando parei sob a sombra da palmeira. O céu tingia-se de laranja e
púrpura, e o sol, em sua descida majestosa, refletia sobre minhas retinas uma beleza
que, por mais que tentasse, jamais poderia capturar em palavras. Ali, em meio
ao silêncio e ao vento que balançava as folhas, percebi o quanto tudo é
transitório — o sol que se põe, o vento que sopra, as folhas que caem. A vida,
afinal, é feita de ciclos, e cada momento que vivemos é ao mesmo tempo o início
e o fim de algo.
Lembrei-me
de Heráclito, o filósofo do devir, que dizia: “Nenhum homem entra no mesmo rio
duas vezes, pois o rio não é o mesmo, assim como o homem já não é o mesmo”.
Naquele instante, fui tomado por um sentimento agridoce. O sol poente era o
mesmo que eu vira no dia anterior, mas não era. Aquele momento era único,
irrepetível, e, como tudo na vida, passaria.
A
palmeira, imóvel na sua altura serena, parecia ser testemunha de algo maior.
Quantos sóis já haviam se posto sob seus galhos? Quantas pessoas haviam
passado, olhado para ela e seguido seus caminhos? Talvez nem a palmeira fosse
eterna. Talvez, no seu tempo, ela também estivesse cumprindo seu ciclo, vivendo
um dia de cada vez, sem pressa, sem angústia, apenas existindo.
É
curioso como buscamos controlar o incontrolável. Fazemos planos para o futuro,
tememos o que virá, lamentamos o que passou. Mas, como disse o poeta Horácio em
seus versos imortais: “Carpe diem, quam minimum credula postero” — colha
o dia, confiando o mínimo possível no amanhã. Não se trata de ignorar o futuro,
mas de viver o presente com intensidade e consciência, pois ele é tudo o que
temos.
O sol,
agora quase completamente escondido no horizonte, parecia sussurrar uma verdade
universal: tudo começa e tudo acaba. Há beleza na transitoriedade. Se a vida
fosse eterna, talvez perdêssemos a capacidade de enxergar a preciosidade de
cada instante. É o fim que dá sentido ao começo. É o efêmero que torna cada
momento sagrado.
Lembrei-me
também de Fernando Pessoa, que, em sua prosa poética, escreveu: “Tudo vale a
pena se a alma não é pequena.” Talvez viver bem seja isso: aceitar os ciclos,
acolher o que vem, deixar partir o que se vai, e, principalmente, permitir-se
sentir. Porque, no fundo, viver não é sobre acumular coisas ou momentos, mas
sobre estar presente.
Enquanto
o céu escurecia e a primeira estrela surgia, senti uma paz profunda. A palmeira
continuava ali, imóvel, como um guardião do tempo. O sol havia desaparecido,
mas eu sabia que ele voltaria. Assim como tudo na vida — o que vai, volta; o
que morre, renasce. E, nesse eterno ciclo de começos e fins, cabe a nós apenas
viver, um dia de cada vez, com o coração aberto para o que vier.
Bibliografia
Heráclito.
Fragmentos. Tradução de Gerd Bornheim. Editora Vozes.
Horácio.
Odes. Tradução de J. A. de Carvalho. Editora Martins Fontes.
Pessoa,
Fernando. Livro do Desassossego. Organização de Richard Zenith. Companhia das
Letras.